quinta-feira, 30 de setembro de 2010

SEMINÁRIOS INTERDISCIPLINARES ASTROLÓGICOS

ou introdução ao curso de Astrocaracterologia
JUSTIFICATIVA DO CURSO

A Astrologia por diversas vezes foi chamada de “A Grande Ciência” ou de “A Grande Arte”, e isto ocorreu provavelmente por conta da grandeza e da superioridade do seu objeto de estudo: a relação entre a estrutura celeste e os diversos fenômenos terrestres e, em especial, o lugar que caberia a cada indivíduo dentro do cosmos – o que reconhecemos vagamente pelo nome de destino.

Por ter tal objeto, delicado e complexo, a Astrologia participou ativamente da formação e da educação do homem letrado até o início da Renascença, se tornando peça fundamental do currículo de grandes navegadores, arquitetos, médicos, astrônomos, filósofos e literatos. Por isso, a Astrologia sempre pareceu ocupar uma posição privilegiada dentre as outras ciências e artes, que lhe seriam inferiores, muito embora mantivesse com elas laços estreitos de parentesco e filiação – laços tão íntimos que, se forem devidamente estudados, poderão revelar o quanto todos estes saberes fazem parte de um único conjunto cultural, e o quanto a Astrologia ainda ocupa um lugar vital dentro deste conjunto.

Que lugar seria este? Por ser a Astrologia justamente o saber que estuda as relações entre o cosmos e o homem, ela pode se transformar numa chave para compreender um dos dilemas da cultura moderna: as pretensas relações entre as ciências naturais e as ciências humanas. Daí a importância do seu estudo – sobretudo, num franco diálogo com outros saberes, restituindo antiga familiaridade perdida.

SOBRE SUA REALIZAÇÃO

O curso em questão, realizado em forma de seminários abertos, visa explorar certos temas que fazem parte do imenso corpo de conhecimentos em que a Astrologia se apóia mas que nem sempre consta de um currículo regular ou é apresentado com o devido rigor e aprofundamento, se tornando, por isso mesmo, uma oportunidade rara para o próprio amadurecimento intelectual e profissional. Ele é, em suma, uma tentativa de abordar a Astrologia através do que o Ocidente melhor construiu em termos de conhecimento, dialogando com outras disciplinas já existentes com a intenção única de elevar o nível de compreensão e debate sobre o fenômeno astrológico.

Este curso será realizado ao longo de 10 aulas temáticas, ministradas num único final de semana do mês, podendo ser assistidas livremente, conforme o interesse do aluno. Estes SEMINÁRIOS servem de introdução, no entanto, ao curso de ASTROCARACTEROLOGIA e, para quem estiver interessado nesta formação, é só continuar assistindo as aulas que se seguem, conforme exposto no cronograma abaixo.


curso de ASTROCARACTEROLOGIA

A ASTROCARACTEROLOGIA foi elaborada em 1989 pelo filósofo Olavo de Carvalho que, inspirado na caracterologia de Ludwig Klages (1940), o caracterólogo por excelência, deu forma final às antigas observações que os escolásticos fizeram sobre as faculdades cognitivas e às relações que foram estabelecidas entre estas e os astros celestes pelo filósofo árabe Ibn’ Arabi (século XIII), desenvolvendo assim um instrumento atualmente indispensável para psicólogos, pedagogos, astrólogos e profissionais afins visto que ele proporciona uma avaliação da atenção individual, sendo, por isso mesmo, de extremo auxílio na área de desenvolvimento cognitivo, de orientação vocacional e existencial.

O curso de ASTROCARACTEROLOGIA visa estimular o leigo ou o já estudioso em Astrologia a desenvolver toda uma metodologia de investigação astrológica, compreendendo com maior discernimento tudo aquilo que porventura continua confuso ou até mesmo contraditório, desenvolvendo uma técnica de interpretação que permita diagnosticar a personalidade humana naquilo que ela tem de mais singular, com clareza e precisão.


PLANO GERAL DO CURSO

1ª parte: SEMINÁRIOS INTERDISCIPLINARES ASTROLÓGICOS – 10 aulas

O SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR DE ASTROLOGIA será realizado ao longo de 10 aulas temáticas, podendo ser assistidas independentemente, conforme o interesse do aluno. No entanto, este Seminário serve como introdução teórica ao curso de Astrocaracterologia, que será abordado nas aulas seguintes.

2ª parte: CURSO DE ASTROCARACTEROLOGIA – 10 aulas

O CURSO DE ASTROCARACTEROLOGIA será realizado ao longo de 10 aulas de conteúdo exclusivamente técnico e astrológico, que se seguem aos 10 Seminários Interdisciplinares. Para a realização destas aulas de conteúdo técnico, é necessário que o aluno tenha participado pelo menos de 5 Seminários Interdisciplinares.

duração total do curso
20 aulas mensais, ministradas num único final de semana do mês, com carga horária de 12 horas.

CRONOGRAMA DAS AULAS

:: dos Seminários Livres

AULA 1: ASTROLOGIA & COSMOLOGIA
AS DIVERSAS CONCEPÇÕES DE MUNDO E DE UM PROVÁVEL SENTIDO PARA A EXISTÊNCIA HUMANA
· a composição do quadro cósmico antigo e moderno.
· a Renascença: a mudança de visão, de paradigma, ou a grande ruptura epistemológica. O Homem ocupa o trono de Deus.
· a perda da noção metafísica e espiritual e a (in)conseqüente divinização da natureza e da sociedade.
· a ruptura entre as ciências naturais e humanas: a vida já não pode ser compreendida para além da matéria e do tempo.
· as Artes Liberais: sistema pedagógico que visava compreender, de maneira global, a dimensão natural, humana e divina.

AULA 2: ASTROLOGIA & ONTOLOGIA
O ESTUDO DO SER, PARA ALÉM DAS SUAS DETERMINAÇÕES FÍSICAS, PSICOLÓGICAS E SOCIAIS

· a misteriosa noção de substância e essência: o sentido da unidade e da integridade do ser.
· as Categorias e as Causas Aristotélicas: um método para compreender todos os seres e fenômenos.
· a perda da noção de essência imutável e a concepção do universo como um processo vivente e dinâmico.
· a natureza da singularidade humana: fruto supremo da existência. A realização do próprio ser. A estrutura da personalidade humana.
· a pesquisa estatística de Michel Gauquelin: mal entendidos entre a comunidade científica e astrológica.

AULA 3: ASTROLOGIA & EPISTEMOLOGIA
O PROCESSO DO CONHECIMENTO: DA PERCEPÇÃO INICIAL CONFUSA À LEI QUE REPOUSA O ESPÍRITO
· os 4 discursos Aristotélicos: o conhecimento lógico e científico como fruto e prolongamento do conhecimento intuitivo e mítico.
· Jean Piaget e o salto epistemológico: passagem do reino dos fatos para o reino dos princípios.
· Ciência, suas exigências e suas problemáticas: a evidência, os dispositivos de registro, a sistematização. Delimitação do campo, metodologia, conceituação unívoca, reavaliação crítica e periódica, unidade lógica e coerência externa.
· Astrologia e seus impasses: a discrepância entre a sua prática e a sua teoria.
· a lição de Max Weber: como compreender o mundo natural e humano.

AULA 4: CONHECENDO O SER HUMANO: A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
A BIOGRAFIA COMO INSTRUMENTO PARA CONHECER O SER HUMANO

· a racionalidade intencional: a seqüência de atos necessários para se atingir um fim.
· Biografia e Destinologia: a unidade de um projeto vital mantido ao longo de toda a adversidade da vida.
· Honório Delgado: a presença, o ato e a biografia humana.
· “Eu sou eu e minha circunstância”: a vontade individual X a circunstância momentânea.

AULA 5: CONHECENDO O SER HUMANO: A PSICOLOGIA 1
A PSICOLOGIA COMO INSTRUMENTO PARA CONHECER O SER HUMANO

· história das idéias psicológicas: a confusão entre os instintos (triebe) e os interesses (triebfedem)
· Maurice Pradines: a sensação e o instinto como dimensões perceptivas e intelectuais. A emergência da consciência: dimensão espiritual da vida humana. O inconsciente normal e o patológico.

AULA 6: CONHECENDO O SER HUMANO: A PSICOLOGIA 2
A PSICOLOGIA COMO INSTRUMENTO PARA CONHECER O SER HUMANO
· em busca de uma causalidade psíquica: entendendo as causas do ato e do comportamento humanos.
· A psique: zona de indeterminação e liberdade que, ao introjetar certas determinações, cria o ego. O ego neurótico: uma construção mal feita. O ego pontífex: possibilidade de reconstrução do ego. A personalidade poética.

AULA 7: CONHECENDO O SER HUMANO: A CARACTEROLOGIA
A TIPOLOGIA COMO INSTRUMENTO PARA CONHECER O SER HUMANO

· O estudo da personalidade: entendendo a diferença e a singularidade própria dos seres humanos.
· W. Allport e a constelação de valores pessoais.
· Ludwig Klages e a diferença qualitativa da alma individual.
· As tipologias de Jung, René Le Senne, Lipot Szondi.

AULA 8: ASTROLOGIA & SIMBOLOGIA
OS VÁRIOS NÍVEIS DE REPRESENTAÇÃO: A PURA ASSOCIAÇÃO DE IDÉIAS, A BELA METÁFORA E A RIGOROSA ANALOGIA

· A Dialética Simbólica: analogia dos astros celestes com certas funções psicológicas
· As doze perspectivas de vida e as Doze Casas Astrológicas.

AULA 9: A experiência do conhecimento:
Analogia do Sol com a intuição

AULA 10: A experiência do conhecimento:
Analogia de Saturno com a razão


:: do curso de Astrocaracterologia
pré-requisito: ter assistido no mínimo 5 aulas do módulo anterior


Aula 11: Técnica de interpretação da posição do Sol nas casas zodiacais (Casa I - Casa VI)
Aula 12: Técnica de interpretação da posição do Sol nas casas zodiacais (Casa VII - Casa XII)
Aula 13: Técnica de interpretação da posição de Saturno nas casas zodiacais (Casa I - Casa VI)
Aula 14: Técnica de interpretação da posição de Saturno nas casas zodiacais (Casa VII - Casa XII)
Aula 15: Técnica de interpretação da posição da Lua nas casas zodiacais (Casa I - Casa VI)
Aula 16: Técnica de interpretação da posição da Lua nas casas zodiacais (Casa VII - Casa XII)
Aula 07: Técnica de interpretação da posição de Vênus nas casas zodiacais (todas as Casas)
Aula 08: Técnica de interpretação da posição de Marte nas casas zodiacais (todas as Casas)
Aula 09: Técnica de interpretação da posição de Júpiter nas casas zodiacais (todas as Casas)
Aula 10: Entrevistas e documentários de Personalidades Célebres: dedução dos seus respectivos mapas

REALIZAÇÃO
REGULUS CURSOS, ASSESSORIA ASTROLÓGICA E COM LTDA.
Rua Estela, 515 bloco E cj.71 - Paraíso - São Paulo.SP - 04011-904
Fone: (11) 5549-2655 (das 14h às 19h)

FAÇA JÁ A SUA RESERVA
início do curso: 10 e 11 de abril 2010
www.regulus.com.br/curso/astrocaracterologia.htm

A ASTROCARACTEROLOGIA



A psicologia vem redobrando os seus esforços na tentativa de desvendar esse território complexo e misterioso chamado de “alma humana”. No seu percurso atual, o entendimento dos processos cognitivos, bem como da formação da consciência individual, se tornaram tópicos recorrentes e fundamentais. Afinal, passou-se a acreditar que boa parte dos nossos dramas e nossos complexos são determinados por distorções que se operam na esfera da nossa inteligência, fazendo com que, por conseqüência, nos relacionemos com o mundo, com as pessoas e com a sociedade de maneira inadequada e imprópria.

Várias contribuições foram feitas neste sentido, como, por exemplo: Piaget e a teoria da Assimilação e Acomodação; Viktor Frankl e a Logoterapia; Arthur Janov e a teoria dos Eventos Primais; William Stern e sua Psicologia Cognitiva; Gordon W. Allport e sua noção de proprium; Ludwig Klages e sua noção de caráter; Maurice Pradines e as relações que este estabelece entre consciência e espírito. No panorama da psicologia atual, as teorias sobre a qualidade e a natureza das inteligências pessoais despertaram também enorme interesse: Howard Gardner e a Teoria das Inteligências Múltiplas; Daniel Goleman e a Teoria da Inteligência Emocional.

A Astrologia não poderia deixar de dar a sua contribuição à este tema visto que em plena Idade Média os planetas astrológicos já eram associados às faculdades cognitivas, tal como podemos depreender da obra do filósofo árabe Mohieddin Ibn’ Arabi e dos estudos que Alberto Magno desenvolveu sobre o funcionamento da alma, ambos realizados no século XIII. Aliás, foi partindo destas premissas e da noção de caráter definida por Klages como direção da atenção (1940) que se construiu uma teoria extremamente original, a Astrocaracterologia[1], proposta pelo filósofo Olavo de Carvalho em torno de 1989 e que se constitui propriamente numa Teoria Astrológica de Fundamento Cognitivo.

Esta teoria revela a associação existente entre o mapa astrológico e a estrutura cognitiva individual, tornando-o um instrumento valioso para fazer aquilo que chamamos de mapeamento cognitivo pessoal. E é este “mapeamento” que nos permite diagnosticar as direções para as quais a atenção individual está voltada, ou melhor, aqueles valores e experiências que, para o próprio indivíduo, são de fundamental importância para a construção de seu destino.

Tudo ficaria embasado no seguinte adágio, vislumbrado pela própria teoria: “diga-me como vês, que eu te direi quem és”.

Vemos, assim, pelo rumo que os estudos e as pesquisas estão tomando, como é de capital importância o entendimento dos processos da cognição para compreender melhor os comportamentos humanos – e a contribuição que a Astrocaracterologia pode dar a este tema, se tornando um grandioso instrumental para pedagogos, psicólogos, profissionais da área de Recursos Humanos e para os próprios astrólogos.

A ASTROCARACTEROLOGIA:
uma teoria astrológica de natureza cognitiva

Ao investigar o histórico e o passado do saber astrológico com um espírito altamente detetivesco, emendando pistas de natureza metafísica, cosmológica, antropológica e pedagógica que atualmente se encontram dispersas e até mesmo esfaceladas, a Astrocaracterologia verificou que este saber estava - e está - indissociavelmente ligado a certos padrões de percepção individual, traduzindo e revelando a concepção que o indivíduo tem de si e do mundo, tanto do ponto de vista propriamente intelectivo, quanto afetivo e volitivo.

Por isso, pela sua própria natureza, a Astrocaracterologia é uma Teoria da Cognição Humana muito particular, cuja estrutura é astrológica. E por ser isto mesmo, ela tem concepções próprias, métodos, práticas e campos de investigação bem diferentes daqueles propostos pelos diagnósticos astrológicos vigentes. Por isso, a sua devida utilização implica no conhecimento de todos estes conhecimentos que lhe serviram de pano de fundo e de onde ela se ergueu, sem os quais a sua técnica se torna incompreensível e inadequada, senão impossível. Por isso, qualquer aplicabilidade desta teoria depende da compreensão do arcabouço da mesma, sem o qual qualquer dedução é delírio e qualquer imediatismo um problema.

É claro que, diante da complexidade desta teoria, na qual alguns pesquisadores trabalham até hoje, não se poderia esperar que um simples resumo como este viesse a ilustrar a grandeza desta obra e a lhe fazer jus. Seria ingenuidade. Minha intenção, antes de mais nada, é a de apresentar e divulgar a existência de um trabalho que vem sendo construído anos a fio, e isto não só porque o assunto é apaixonante mas também porque ele se mostra extremamente importante na compreensão do quanto a esfera cognitiva engloba e emoldura a vida psíquica, ou melhor, do quanto o campo de atenção do sujeito é capaz de determinar os seus comportamentos, a sua conduta e o rumo da sua biografia. Ademais, divulgo este trabalho porque ele é o testemunho de que o saber astrológico pode, deve – e já está – sendo tratado de uma maneira bastante rigorosa, contrastando em muito com a abordagem superficial e leviana que habitualmente lhe é dada, e que impede que a sociedade reconheça o seu valor e dele faça um justo uso.

Se a divulgação deste trabalho contribuir para que o tema astrológico deixe de ser visto como mais uma opção de divertimento e devaneio e possa ser encarado com um campo de estudo fértil na compreensão do Homem e do Mundo, creio que fiz a minha parte.


três noções básicas

A Astrocaracterologia está fundamentada em diversas noções, sem as quais o seu arcabouço se torna completamente incompreensível. No entanto, para que se tenha uma breve idéia do que possa ser a sua técnica e a sua aplicação, três de suas noções precisam ser explicadas:

· o caráter e as direções da atenção
· as faculdades cognitivas
· a análise biográfica

É o que pretendo fazer a partir de agora.

O CARÁTER E AS DIREÇÕES DA ATENÇÃO

por uma psicologia do futuro

A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás: mas só pode ser vivida olhando-se para a frente.
Soren Kierkegaard

Se bem que a “ciência da alma” tenha atingido a idade respeitável de aproximadamente 2500 anos, diversas razões contribuíram para que ela não alcançasse o desenvolvimento e o status já alcançado por outras disciplinas. Uma delas é que, desde o início, esta ciência se dividiu em duas correntes que só muito recentemente começaram a se juntar:
1) uma delas, que cedo tomou o nome de Psicologia, se ocupou em descrever e retratar o funcionamento da psique através dos fenômenos da atenção e percepção, bem como os estados emocionais e como todas as suas alterações se processam e dialogam, e como este diálogo pode ser imprevistamente rompido e apresentar distúrbios, tentando assim delinear a verdadeira arquitetura da alma em todos os seus pavimentos insuspeitos, com toda a sua rede de encanamentos e fiações, e que sustentam toda a pessoa;

2) a outra, que só recentemente se organizou e se sistematizou sob o nome de Caracterologia, sempre se ocupou em conhecer as características pelas quais um ou outro indivíduo pode ser reconhecido e identificado, tentando assim conceber um retrato da diferença e da singularidade humana e dos fatores responsáveis por tal diferenciação.

Apesar destas duas abordagens terem caminhado relativamente separadas ao longo de séculos e terem, por isso mesmo, se esbarrado uma na outra, uma pergunta um dia se impôs – e que configura a pergunta feita na atualidade: é possível que haja na própria arquitetura da psique algum componente que responda pela diferença e pela singularidade humana? Será que este componente impõem a psique outras exigências? Há mesmo algum componente da psique que seja responsável não tão somente pela formação da identidade mas também pelo bom ou mal funcionamento dela própria? Há mesmo alguma relação ou diálogo entre o funcionamento da psique e a estrutura da personalidade, de modo que a partir daí pudéssemos compreender melhor o desenvolvimento psicológico do ser humano?

Gordon W. Allport[2] (1950) introduz esta discussão explicando que os nossos impulsos, desejos e necessidades representam exigências urgentes de redução de tensão que precisam ser satisfeitas, encontrando assim um prumo e um equilíbrio para forças que configuram, sim, motivos psicológicos bastante reais. Estes motivos seriam denominados motivos de déficit. Eles exigem que a tensão seja imediatamente eliminada, restaurando o equilíbrio perdido. No entanto, Allport adverte que por mais que busquemos satisfação para motivos desta natureza e por mais que queiramos estabilidade, há outros motivos que também geram tensão e que colocam o indivíduo em constante instabilidade - mas frente aos quais ele nunca tem uma satisfação imediata e, nem por isso, esmorece, assumindo-os inclusive até o limite do insuportável.

Allport se pergunta: por que há motivações que nos deixam extremamente abalados quando não são imediatamente satisfeitas enquanto a insatisfação ocasionada por outras motivações nunca é suficiente para nos abalar? Para este notável psicólogo, isto só ocorre porque existem motivos de duas ordens: os motivos de déficit e os motivos que ele chama de motivos de crescimento. Estes, ao contrário dos motivos de déficit, mantêm a tensão no interesse de objetivos distantes e muitas vezes inatingíveis, porém suficientes para merecerem a atenção do sujeito - e isto porque eles traduzem os valores que foram livremente escolhidos e aceitos pelo próprio indivíduo.

É desse modo que Allport explica a influência que os ideais e os valores exercem sobre o processo de desenvolvimento psicológico, dando inclusive uma pista para o que seja o seu bom ou mal funcionamento. No entanto, ele esclarece que estes fatores são os extremos cobiçados por nossas intenções, e que nunca os atingiremos completamente. Alguns autores consideram este ponto de suma importância. Jung, por exemplo, define a personalidade em termos do estágio ideal de integração a que o indivíduo tende. Personalidade não seria então o que alguém possui, mas o resultado projetado do seu crescimento. Spranger também considera o caráter de um indivíduo em termos de sua aproximação a um tipo ideal. De qualquer modo, o que se revela importante é a orientação e a posição que o indivíduo toma perante um futuro que pretende atingir, por maiores que sejam as tensões que daí advenham.

Para Allport, os fatores mais elementares e importantes ao desenvolvimento psicológico são estas amplas disposições intencionais que apontam para o futuro, e que submetem a vitalidade psicológica a uma rede de significados. Para empregar um termo da filosofia medieval, esta situação representa a intencionalidade da pessoa. Como tal, ela seleciona, atrai, guia e inibe estímulos de outra ordem, dirigindo todos estes impulsos em outra direção, e cujo trajeto significa a conquista da própria maturidade psicológica.

Percebemos que isto ocorre quando o indivíduo é dominado por impulsos ou por pressões circunstanciais: numa situação como esta, ele perde a integridade que provém unicamente do fato de conseguir manter direções principais de esforço. Ademais, a posse de objetivos de longo alcance, considerados como centrais à existência pessoal, distingue o ser humano do animal, o adulto da criança e, em muitos casos, a pessoa sadia da doente. E, para Allport, todo esforço refere-se sempre ao futuro. Na realidade, a grande maioria dos estados psicológicos só podem ser adequadamente descritos em termos de futuridade pois somente assim compreendemos a que o indivíduo subordina livremente a sua vida. Esta situação exige, para a sua própria compreensão, um tipo de psicologia que transcenda a tendência que prevalece ainda hoje em explicar os estados psicológicos unicamente em função de acontecimentos passados. Afinal, enquanto a Psicologia quase só se preocupa em investigar o passado histórico do indivíduo, parece que ele procura guiar a sua vida em razão de um futuro.

a natureza do caráter
Respeita a ti mesmo, e terás um caráter nobre.
Pitágoras

Um dos fatores mais elementares para o bom funcionamento da psique e que nos coloca na condição de fundar uma verdadeira psicologia do futuro é chamado de caráter. Ele é definido por Ludwig Klages[3], pai da Caracterologia, como "uma unidade viva, ou a qualidade distintiva essencial de uma alma individual. Afinal, todo homem é dotado de uma alma mas possui, além disso, um espírito, quer dizer: ele é um eu ou um si. Por isso, num sentido muito específico, o caráter é a qualidade da vontade pessoal, assinalando condições constantes que revelam uma certa direção preferencial de um eu ou de uma consciência - o que determina, portanto, entre outras coisas, as metas às quais alguém se sente impelido".

Sendo assim, e seguindo uma idéia de Henri Wallon, é essa camada da personalidade chamada de caráter que acaba explicando porque é que, na presença das mesmas circunstâncias, dois indivíduos que dispõem da mesma educação familiar, da mesma influência social e até mesmo de capacidades idênticas reagem de modo completamente diferentes: afinal, cada um tem uma maneira distinta de interpretar a situação ao redor e de reagir a ela, e isto porque cada um observa, valoriza e reage à situação de um modo que lhe é muito próprio.

É o caráter, então, que vem a dar um diferencial à personalidade, fazendo com que cada pessoa venha a viver sua vida e a escrever sua história de uma maneira que lhe é muito peculiar. Se tomamos o termo caráter[4] em sua acepção etimológica, seremos forçados a considerar que toda marca que porventura uma pessoa venha a deixar na vida foi fruto do seu esforço pessoal, isto é, foi fruto da tentativa de reunir tudo o que conhece e o que desconhece de si para atingir uma meta que tenha se proposto. Afinal, existe dentre de todos nós, sob o amontoado de confusões, uma unidade viva que incessantemente não deixa de murmurar certas sugestões que deveríamos escutar e acatar, já que elas são a expressão máxima da nossa realização pessoal, isto é, do nosso destino, da única tarefa que nos cabe.

Para Allport, esta unidade pode ser representada por um foco que confere certo sentido de importância a algumas experiências e relega as restantes a condições secundárias, que no entanto o indivíduo também pode vivenciar tão logo haja oportunidade ou tão logo a pressão circunstancial o obrigue. No entanto, não podemos fechar os olhos ao fato de que os problemas da vida reclamam escolha e sistematização segundo a relativa importância de cada um – mas não tão somente tendo em vista o momento que estamos atravessando e vivendo e, sim, os nossos valores mais soberanos. Estes, sim, exigem um planejamento e uma orientação a longo prazo. Estes, sim, revelam um centro de referência, diante do qual toda a nossa conduta e atitude se posta e se auto-refere.

Vemos, assim, que o termo caráter concentra-se sobretudo no aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional. E que ele se revela pela capacidade de adiar uma satisfação em troca de um bem futuro. E isto porque, da confusão de sentimentos em que todos estamos mergulhados, procuramos salvar e manter alguns – e isto porque estes “sentimentos” expressam os nossos valores mais caros. São estes sentimentos “altamente valorizados” que sustentam a nossa alma e que dão feitio e forma a nossa pessoa.

Este psicólogo ainda acrescenta que estes “sentimentos altamente valorizados” não são infinitos em número: são poucos. E que eles são diferentes para cada pessoa. Uma situação como esta deveria estimular os profissionais envolvidos com psicodiagnósticos a seguirem uma linha de pesquisa em que finalmente se conseguisse constatar estas unidades fundamentais ao desenvolvimento psicológico. Para tal, seria necessário pelo menos supor a existência de alguns sentimentos e valores humanos que fossem soberanos, e que representassem os possíveis focos e as possíveis direções da atenção individual, verificando depois – é claro - o quanto que estes focos e estas perspectivas foram fundamentais para determinar o comportamento dos indivíduos e sua história.

E é neste sentido que percebemos que o sistema astrológico se mostra altamente inspirador.

As direções da atenção

Nosso olhar dirige a realidade para onde bem entende.
Adolfo Bioy Casares

O sistema astrológico é, querendo ou não, uma espécie de catálogo que tenta abarcar certas experiências humanas que são consideradas fundamentais. E se aprofundarmos nossos estudos e analisarmos mais de perto um dos componentes desse sistema, o sistema das Casas Astrológicas, perceberemos que ele descreve exatamente a perspectiva que se abre entre o sujeito nascido e o mundo em torno, isto é, entre um posto de observação e a esfera celeste, demarcando um certo campo de atenção.

A hipótese que ora fizemos é de que o sistema das Casas Astrológicas descreve os possíveis campos de atenção individual ou as perspectivas humanas soberanas, através das quais tudo seria percebido, sentido e até mesmo alterado. É claro que, tendo feito tal hipótese, tivemos que verificá-la logo em seguida, através de um método que chamamos de “análise biográfica”, do qual falarei num capítulo adiante. No entanto, o que cabe agora perguntar é que perspectivas fundamentais seriam estas que os seres humanos podem ter da vida, tendo por base o sistema das Casas Astrológicas. Afinal, quais seriam estas perspectivas fundamentais com que cada indivíduo, a sua maneira, vê o mundo e procura se orientar?

CASA 1
sob a perspectiva da identidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS PERSONALÍSTICO
se mobiliza[5] pela imagem que tudo passa e projeta

CASA 2
sob a perspectiva da vitalidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS SENSORIAL
se mobiliza pela condição física e material das circunstâncias

CASA 3
sob a perspectiva da comunicabilidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS LINGÜÍSTICO
se mobiliza pelas idéias explicitadas e ainda implícitas

CASA 4
sob a perspectiva da interioridade
caracteriza o indivíduo de VIÉS EMOCIONAL
se mobiliza pelas exigências e pressões emocionais

CASA 5
sob a perspectiva da capacidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS VOCACIONAL
se mobiliza pelo desempenho e mérito próprios

CASA 6
sob a perspectiva da organicidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS SISTÊMICO
se mobiliza pelo todo esquematizado e o seu funcionamento equilibrado

CASA 7
sob a perspectiva da alteridade
caracteriza o indivíduo de VIÉS INTERPESSOAL
se mobiliza pela reciprocidade e pelos níveis de relacionamento

CASA 8
sob a perspectiva da adversidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS TRANSFORMADOR
se mobiliza por processos que gerem mudanças e alterações

CASA 9
sob a perspectiva da universalidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS LEGISLATIVO
se mobiliza por princípios e regras gerais que gerem certezas e orientem

CASA 10
sob a perspectiva da coletividade
caracteriza o indivíduo de VIÉS SOCIAL
se mobiliza pelas exigências e pressões sociais

CASA 11
sob a perspectiva da posteridade
caracteriza o indivíduo de VIÉS PROJETIVO
se mobiliza pelas perspectivas futuras e pelo projeto a realizar

CASA 12
sob a perspectiva da finalidade
caracteriza o indivíduo de VIÉS MACROSCÓPICO
se mobiliza por forças maiores que determinam o fim e o rumo de tudo

Do ponto de vista técnico, estas perspectivas se tornariam determinantes para cada indivíduo à medida que um ou outro planeta estivesse disposto numa dessas Casas do seu mapa natal, configurando assim os focos naturais da sua atenção – o que conferiria um certo sentido de importância a algumas experiências e relegaria as outras a um plano ocasional e secundário.

No entanto, convém explicar que a associação que ora fizemos entre direções da atenção & Casas Astrológicas não foi meramente gratuita, mas está baseada no fato de que na Idade Média os planetas celestes já eram associados àquilo que os árabes chamavam de potências da alma: certas disposições da psique que determinam o seu funcionamento. Por isso, se levarmos em consideração de que a Astrologia, por esta época, já associava os planetas a certas funções psicológicas, e se procurarmos entender a natureza dessas funções, perceberemos que parte do seu funcionamento fica condicionado em agir em certas direções e não em outras, revelando que cada função psicológica tem, sim, uma direção que lhe é preferencial – sendo estas direções exatamente aquelas que se encontram retratadas pelas Casas Astrológicas.

Uma das maneiras de fazer entender esta situação é relembrando a explicação que o próprio Klages dá sobre propriedades do caráter. Para tal, ele usa como exemplo um traço de caráter que normalmente empregamos para distinguir os indivíduos: a honestidade. Afinal, há indivíduos que são honestos, enquanto outros, não. Klages, entretanto, vai mais fundo e adverte que a honestidade não é propriamente um traço de caráter visto que ela é somente a manifestação mais superficial de um valor perante o qual a consciência do indivíduo se posiciona.

Se analisarmos a situação por este prisma proposto por Klages, veremos que, de fato, a honestidade se diferencia para cada sujeito pois cada um se coloca perante a esta condição por causa de um valor: afinal, há indivíduos que são honestos porque têm senso de veracidade, enquanto outros assim o são porque desejam se mostrar sob o seu melhor aspecto, enquanto outros já temem as conseqüências da desonestidade e tem pavor do código penal. Uma avaliação como está nos mostra que por detrás das qualidades e dos adjetivos com que costumamos caracterizar as pessoas, há sempre um valor onde estes repousam. E que estes valores de fundo e supremos podem - e estão - associados às Casas Astrológicas, tal como verificamos pelo método da análise biográfica.

AS FACULDADES COGNITIVAS

Se a Astrocaracterologia partiu para a construção do seu projeto teórico da noção de potências da alma, torna-se extremamente importante explicá-la. Para isso, será necessário lembrar que foi pelo fim da Idade Média - séc. XIII – que um conhecimento de tal natureza deu mostras do longo e proveitoso amadurecimento por que vinha atravessando e que, como uma árvore que atinge o seu objetivo ao desenvolver frutos, deixou-nos como legado dois estudos importantíssimos que, desde já, se tornam indispensáveis para compreender a concepção que se tinha da inserção do Homem dentro do Cosmos – e também para vislumbrar quais teriam sido os critérios com que se poderia realizar uma interpretação astrológica.

O primeiro estudo se refere aos tratados do escolástico Alberto Magno (1260) sobre o funcionamento da alma humana que, segundo este, se dava e se articulava em sete funções distintas (chamadas de faculdades cognitivas[6]), e que descreviam os modos com que o indivíduo percebia, sentia e lidava com as circunstâncias aos seu redor. O segundo estudo se refere aos tratados do filósofo árabe Mohieddin Ibn’Arabi (1230), que associava certas “potências da alma” a alguns planetas celestes[7]. Apesar destes dois autores nunca terem dialogado entre si, vemos que as afirmações que ambos fazem sobre as funções psicológicas são as mesmas, se tornando então extremamente importantes para deslindar e compreender a natureza simbólica dos Planetas Astrológicos.

No entanto, não podemos fazer vistas grossas a recente contribuição dada pela psicologia da cognição que, durante toda a sua existência, contribuiu em muito para esclarecer as atribuições de cada uma dessas faculdades, revelando o papel delas na integração da personalidade do indivíduo. O quadro de correspondência abaixo tenta ilustrar todo esse conhecimento que assim pode ser resumido e sintetizado:

Astros celestes & Faculdades cognitivas

SOL = INTUIÇÃO
percepção imediata que o sujeito tem de determinado dado tão logo este se apresente

LUA = SENTIMENTO
alteração emocional – ora agradável, ora desagradável - que o dado provoca no sujeito

MERCÚRIO = PENSAMENTO
associação que o sujeito faz do dado com outros dados já conhecidos

VÊNUS = FANTASIA
imaginação das infinitas possibilidades que o dado permite e oferece, vislumbradas pelo sujeito

MARTE = ESTIMATIVA
reação instintiva que o sujeito tem perante o poder de ação do dado

JÚPITER = VONTADE
expressão da liberdade que o sujeito se dá perante o dado, moldando-o de acordo com sua vontade

SATURNO = RAZÃO
formulação de regras e leis que o sujeito constrói a partir dos dados obtidos pelas demais faculdades, e com as quais compõe o seu entendimento de mundo
 

É tendo em vista a disposição destes 7 Planetas em quaisquer uma das 12 Casas Astrológicas que conseguimos diagnosticar o funcionamento da psique, percebendo exatamente em quê direção cada uma das suas faculdades está voltada. Diante de um diagnóstico como este, percebemos não só as perspectivas que particularmente o indivíduo nutre e vislumbra sobre tudo o que o cerca mas também as coordenadas de ação que ele procurará tomar ao longo de toda a sua vida visto que, por considerar tudo por estes ângulos, ele acabará traçando o seu caminho da maneira que estes lhe indicaram, construindo o seu destino de um modo e não de outro, ou melhor: conforme a sua própria consciência disse.


persona est substantia individua rationalis naturae
Boécio


Vemos, assim, que alguns padrões astrológicos representam as diversas faculdades psicológicas, cuja interação é responsável pela integração da própria personalidade e também pela edificação do próprio destino, visto que são elas quem determinam que a vida seja conduzida de um modo e numa direção que lhe é preferencial. Afinal, por sermos o que somos, isto é, por sermos uma alma dotada de espírito e de intenção, temos coordenadas de ação muito específicas que, mal ou bem, traduzem as metas às quais nos sentimos impelidos.

É por isto que não podemos ser explicados unica e exclusivamente pelo nosso passado, isto é, por informações reprimidas no nosso inconsciente, visto que podemos ter uma melhor compreensão de nós mesmos pelo nosso futuro, ou melhor, pela intenção que a nossa psique demonstra em realizar um projeto de vida muito peculiar – projeto, este, que ela vislumbra e constrói através da interação das suas faculdades intelectivas, afetivas e volitivas, que são responsáveis pelos nossos pensamentos, sentimentos e ações.

No entanto, ao vislumbrarmos esse projeto de vida dentro de nossa mente, boa parte do quadro de referência que fomos construindo ao longo da nossa existência é imediatamente requisitado para analisá-lo e julgá-lo, de modo que todos os nossos conceitos, idéias, valores e pensamentos são postos em ação com a intenção de determinar cada vez mais nitidamente o perfil e o contorno deste projeto, dando forma a algo que porventura se mantinha nebuloso e informe.

Imaginem, pois, o desastre que é caso todo este império intelectual esteja cheio de noções distorcidas, ou cheio de lacunas: a psique não vai encontrar as condições necessárias para analisar e julgar este projeto de vida e, diante desta situação, ele pode acabar continuando nebuloso e informe – ou até mesmo cada vez mais deformado.

Compreendemos, assim, o quanto que o exercício da faculdade da razão é fundamental para a compreensão e construção deste projeto de vida e o quanto que o desenvolvimento desta faculdade psicológica é essencial para a integração da própria personalidade pois é através desta que o indivíduo consegue ter a medida a si mesmo com relação a tudo que o cerca. Sem esta, ou sem o exercício desta, o indivíduo não consegue sequer interpretar a diversidade e a variedade da vida e tampouco construir um quadro de referência mais rico, que lhe permita identificar uma razão e um sentido para tudo o que vem vivendo.

Esta é, aliás, a proposta mais fundamental da Astrocaracterologia: de que cada indivíduo tem um tipo específico de inteligência racional, cabendo-lhe a tarefa de desenvolvê-la e ampliá-la, sob o preço de continuar confuso e desorientado caso assim não aja, visto que este é um problema que se forma – e se resolve – na esfera da inteligência, muito embora ele recaia sobre todas as outras esferas da nossa vida.

Daí ser importante diagnosticar qual o nosso tipo específico de inteligência racional[8], que questões ou problemas podemos ter em nossa mente e como eles precisam ser tratados. E uma das maneiras de avaliarmos o tamanho e a dimensão desta problema é através da análise biográfica, que inclusive nos permite descobrir para que direções estão voltadas as outras faculdades cognitivas, a saber, o nosso sentimento, a nossa intuição, a nossa vontade e etc.


Compreender um drama é a mesma operação mental que compreender uma existência, uma biografia, um homem: é obrigar o pássaro a voltar para seu ovo, a planta para a sua semente, e constituir toda a gênese do ser em questão. A arte não é senão o ato de por em relevo o pensamento obscuro da natureza; é a simplificação das linhas e o desprendimento dos grupos invisíveis. O fogo da inspiração faz ressaltarem os desenhos traçados a tinta simpática: o misterioso torna-se evidente, o confuso tona-se claro, o complicado torna-se simples, o fortuito torna-se necessário. Em uma palavra, a arte revela a natureza traduzindo as suas intenções e formulando as suas vontades – o ideal. Cada ideal é a solução de um grande enigma. O grande artista é um simplificador.
Henry Amiel


Se levarmos em consideração as observações do psicólogo Peruano Honório Delgado[9] sobre a vida humana, atentaríamos para o fato de que há três maneiras de se conhecer um indivíduo:

· pela sua presença e pelo seu modo de ser, sempre de difícil tradução, mas que só poderiam ser captados por alguém que o conhecesse diretamente;
· pelas peculiaridades dos atos tomados em um ou outro momento e que expressam a tentativa de resolver certos impasses que a vida apresenta a todo e qualquer ser humano;
· por certa linha de continuidade que ele foi imprimindo a própria vida, ou melhor, pela fisionomia e pelo contorno que uma vida toma por estar submetida a realização de um projeto existencial.

Para o psicólogo peruano, a fórmula máxima com que se poderia conhecer uma pessoa é aquela expressa pelo terceiro item, a que ele dá o nome de biografia. Esta seria não somente a fonte mais preciosa mas também o único acesso para um contato realmente revelador, suscetível de dar vislumbres sobre o que há de mais característico e singular num indivíduo.

Não podemos nos esquecer também que a biografia é definida como "o desenho, a grafia da vida". E isto porque cada vida humana toma um desenho, uma forma; sendo tal forma descrita por uma equação que sintetiza as maneiras soberanas como um indivíduo viveu e experimentou tudo que se colocou a sua frente, e que expressam a sua tentativa de agir de acordo com a sua consciência e a sua vontade. Se soubermos analisar uma vida através desta dimensão biográfica e detectarmos as coordenadas preferenciais da ação individual, estaremos não só descobrindo os fundamentos em que o sujeito pavimenta a sua existência como também as Casas Astrológicas em que estes sete planetas se distribuem.

Este é, na realidade, o método de que nos utilizamos para verificar a hipótese levantada: de que a estrutura do mapa astrocaracterológico expressa uma estrutura cognitiva que se torna plenamente demonstrável ao ver vista numa dimensão biográfica. Mas, para esclarecer tal método, precisarei exemplificar:


1. Fernando Pessoa teve toda uma vida desenhada na direção de salvar a sua pátria da grande derrocada histórica em que havia entrado. Disse que faria isto através da escrita. Para tal, multiplicou-se em vários poetas pois, para fazer frente à nação, teria que se tornar vários, pois - parece - que nada podia um único indivíduo contra a coletividade. Além disso, ele se dizia o homem com a maior alma portuguesa que havia conhecido – muito embora se vestisse como um lorde inglês, herança do período de juventude em que viveu em Durban, colônia inglesa. Mas... como podia se dizer autenticamente português se portava-se como um inglês?

 
2. Oscar Wilde teve toda a sua biografia quase que absorvida por um inesquecível episódio: foi preso na Inglaterra sob a acusação de homossexualidade. Uma prisão que muitos dos seus contemporâneos diziam que poderia ter evitado. No entanto, não evitou. E por quê? Por que, de acordo com a filosofia da sua mãe irlandesa, um verdadeiro irlandês jamais se deixaria abater e se humilhar por uma ofensa feita por ingleses em próprio território inglês e que, independentemente da veracidade da acusação, o filho teria de levar esse julgamento até o fim, assumindo a sua condição de irlandês – daquele que jamais se curva, ainda mais perante a um inglês. Ou seja: a mãe incentivou o filho a assumir e a ser representante de uma nação. Além disso, Oscar Wilde é considerado também um dos maiores críticos da sociedade inglesa, muito embora fizesse de tudo para participar e desfrutar da mesma, demonstrando uma atitude contraditória perante esta questão.


3. Adolph Hitler teve toda a sua trajetória de vida voltada para se adequar ao papel que o Estado Alemão necessitava, ou seja, a de um porta-voz que levasse a Alemanha a categoria de império - o que seria feito, inclusive, através de purificação cada vez mais crescente da raça ariana, caracterizada como a autêntica expressão da nação germânica. Ademais, Hitler é conhecido como um dos homens mais poderosos que o mundo já conheceu, muito embora ele confidenciasse, no início de sua carreira, que não se sentia com poder algum.

O que percebemos nestes três casos ? O primeiro fez de tudo para levantar e polir a imagem de uma nação já transfigurada do seu brilho anterior; o segundo afundou-se por conta de ter se investido como representante de uma nação; o terceiro afundou praticamente quase todo o mundo por conta de ter levado até a última instância a soberania de uma nação e de uma raça sobre as outras. Três vidas completamente diferentes – cujo desenho tem, no entanto, a mesma forma, isto é, se afunila em torno do tema hierárquico e social ou, dito de outra forma, em torno do tema do poder.

Uma pergunta, então: quem são estas pessoas que, ao longo da vida, tomam decisões justamente por conta do seu papel dentro da sociedade? Quem são estas pessoas que sempre mudam o rumo e a direção da própria vida por conta do poder vigente e por conta do próprio papel social? E mais: quem são estas pessoas cujo desnível ou cuja deformidade biográfica é determinada por uma experiência de natureza hierárquica, revelando uma grande contradição que o indivíduo assume com relação a este tema? Afinal, há tantas hipóteses e forças em jogo na estruturação da personalidade que levariam um ser humano a agir desta maneira, não? No entanto, é curioso notar que, no caso destes três exemplos comentados brevemente, todos tinham o planeta Saturno no ápice do seu percurso no céu: na Casa Dez.

Seria apenas uma coincidência? Pelos estudos e investigações que empreendemos, estamos convencidos que não. Afinal, em todas estas biografias, testemunhamos a razão humana se deparando com as exigências e pressões sociais, ora montando saídas e alternativas para problemas desta natureza, ora se encontrando detido e amarrado por elas próprias – como se fosse um tiro pela culatra. Ou como Édipo, que não sabia que ele próprio era o autor da própria desgraça.

O propósito mesmo da análise biográfica - que vê a vida inteira do sujeito como conseqüência de uma ótica particular que a abarca e determina - é detectar a sua cosmovisão pessoal, ou melhor, as perspectivas muito pessoais que ele nutre sobre a vida. Aliás, a premissa fundamental do que está sendo exposto é exatamente esta: tudo o que vivemos e experimentamos está diretamente ligado a nossa ótica pessoal, a nossa perspectiva de vida, seja esta clara ou obscura.


A reabsorção das circunstâncias é o destino concreto do homem.
Ortega Y Gasset


Devemos lembrar que o indivíduo do qual a Astrocaracterologia fala é um indivíduo abstrato, ideal, e não um indivíduo de carne e osso. Ele representa o modelo ou a figura sonhados por alguém, aquilo que se torna o objeto da sua mais alta ambição espiritual e afetiva. Por isso, jamais poderemos dizer que o mapa astrocaracterológico descreve o que somos mas, sim, o que pretendemos ser - e isto se nos esforçarmos para tal ou se tivermos, digamos, sorte. Afinal, a força dos acontecimentos pode ser muito mais forte do que a nossa determinação caracterológica.

Vemos, assim, que esta determinação de base e inata nem sempre se torna a expressão final e literal de uma vida e de um destino humano. Isto só acontece em casos muito privilegiados, em que o indivíduo:

· se torna o autor dos acontecimentos, pela força da sua vontade;
· é auxiliado pelas circunstâncias momentâneas e históricas;
· é auxiliado pela sorte.

Desse modo, entre aquilo que é ditado pela própria natureza e as circunstâncias pode se estabelecer tanto uma zona de atrito como de harmonia, sendo que a boa ou má adaptação talvez dependa também de características que já estejam ditadas na própria natureza. Deve-se, portanto, encontrar um encaixe entre as circunstâncias externas e a forma individual interna; deve-se encontrar uma resolução dialética entre o que se é e as circunstâncias, sendo um destino a resultante de ambos fatores.

O curioso é que, mesmo às cegas, estamos tentando construir a nossa vida e escrever a nossa história tal como exige nossa determinação caracterológica. Neste sentido, o pleno sucesso deste empreendimento talvez esteja baseado numa consciência redobrada que o indivíduo tenha de si mesmo, isto é , do seu caráter, do seu projeto de vida e de todos os alicerces que o sustentam.

Daí a importância e o valor do diagnóstico astrocaracterológico.



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[3] LE DIAGNOSTIC DU CARACTÉRE, Ludwig Klages, PUF, Bibliotheque Scientifique Internationale, 1949
[4] do vocábulo grego charakter, que significa impressão, gravação; do verbo grego charassein, designando o ato de agudizar, riscar, esculpir, o que se aplicava a princípio a todo signo (de escrita, astronômico), sendo utilizado depois para designar coisas muito especiais. Representa, portanto, signos distintivos mas que geralmente parecem ter vida própria e uma certa importância mágica. Isto nos conduz, por graus, ao emprego atual desta palavra: cunho, marca, especificidade; propriedade ou qualidade inerente a um ente e que o distingue dos demais; a forma específica de cada coisa
[5] se mobiliza tanto intelectualmente quanto afetivamente ou volitivamente, dependendo da natureza do planeta aí localizado.
[6] PSICOLOGIA DA ATIVIDADE SEGUNDO ALBERTO MAGNO, Padre Michaud- Quantin (tradução pessoal de Joel Nunes dos Santos)
[7] ALQUIMIA DA FELICIDADE PERFEITA, Mohieddin Ibn’ Arabi, Ed. Landy, 2002
[8] A inteligência racional é demarcada pela casa astrológica em que o planeta Saturno se encontra.
[9] DE LA CULTURA Y SUS ARTIFICES, de Honório Delgado, Aguilar, 1961

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ASTROLOGIA & MAGIA - SINARJ 2007

sexta-feira, 30 de abril de 2010

OS INFILTRADOS: ASTRÓLOGOS TOMAM DE ASSALTO A UNIVERSIDADE

matéria da revista CONSTELAR - junho 2010


Em 1666, durante o longo reinado de Luís XIV, o ministro francês Colbert baniu a Astrologia da Universidade. A partir daí, astrólogos e acadêmicos viveram em campos opostos, e muitas vezes trocando petardos. Mas lembra do filme Os Infiltrados, de Martin Scorsese? Nesta entrevista você vai conhecer os novos infiltrados: astrólogos que, numa bem articulada estratégia, conseguiram ocupar espaços dentro da casa do inimigo. 

Seis diferentes astrólogos - Carlos Hollanda, Martha Perrusi, Cristina Machado, Edil Carvalho, Alexey Dodsworth e a portuguesa Helena Avelar - debatem algumas questões essenciais para a definição do status da Astrologia como área de conhecimento, suas relações com a ciência e o poder e os prós e contras da vida dentro da estrutura acadêmica. 

Eles juram que não são parte de um movimento. Garantem que não desejam poder, apenas conhecimento. Mas estão aos poucos conseguindo reverter uma situação que perdura desde 1666, quando Colbert, ministro de Luís XIV, decretou a expulsão da Astrologia do currículo universitário, sob a alegação de falta de comprovação científica. As descobertas de Copérnico haviam comprovado definitivamente a tese do heliocentrismo, fazendo parecer anacrônicos os mapas dos astrólogos, onde o sistema solar ainda era representado em bases geocêntricas. 

O argumento ainda é usado por cientistas intolerantes e jornalistas desavisados, perpetuando o mito de que o astrólogo é um ser totalmente à margem do conhecimento acadêmico. Nos últimos anos, porém, essa imagem de alienação não vem resistindo às evidências, na medida em que se multiplicam as dissertações de mestrado e as teses de doutorado produzidas por astrólogos inseridos no meio acadêmico. As investidas no campo do inimigo começam a se tornar cada vez mais frequentes: de um lado, são astrólogos profissionais que se transformam em professores de conceituadas universidades; na ponta oposta, são pesquisadores acadêmicos que descobrem a Astrologia e caem de cabeça na literatura proibida

Neste debate, reunimos seis astrólogos que estão no meio do vendaval. Do Rio de Janeiro, participaram três oriundos do grupo conhecido como Academia Celeste: Carlos Hollanda, mestre em História Comparada e doutorando em Artes Visuais pela UFRJ, universidade onde também lecionou em cursos de graduação; Cristina Machado, mestre em Filosofia e doutora em Letras com uma tese sobre o Tetrabiblos de Ptolomeu; e Edil Carvalho, que faz graduação em Filosofia na UFRJ. De Recife vem a professora universitária e mestre em Filosofia Martha Perrusi; do outro lado do Atlântico, a diretora da Academia de Estudos Astrológicos de Lisboa, Helena Avelar, que é mestranda em História Medieval; e, de São Paulo, o polivalente Alexey Dodsworth, consultor do site Personare, estudante de Astrofísica da USP e mestrando em Filosofia na mesma universidade. Prepare-se: eles adoram discutir. E têm argumento pra tudo. 

domingo, 14 de junho de 2009

ILHA DAS FLORES: SÍMBOLO DO DESEQUILÍBRIO CÓSMICO


para saber mais sobre o diretor JORGE FURTADO:
http://www.casacinepoa.com.br/index.htm

Hoje, quase todo mundo que vive nos centros urbanizados do Ocidente sente intuitivamente a falta de alguma coisa na vida. Isto deve-se diretamente à criação de um ambiente artificial de onde a natureza foi excluída ao limite máximo possível. Mesmo o homem religioso, em tais circunstâncias, perdeu a noção do significado lógico da natureza. (...) Que se destruiu a harmonia entre homem e natureza é um fato que a maioria das pessoas admite. Mas nem todos percebem que este desequilíbrio se deve à destruição da harmonia entre o homem e Deus.(...) É esta razão porque se faz necessário começar nossa análise ocupando-nos primeiramente das ciências naturais e dos pontos-de-vista que dizem respeito ao significado filosófico e teológico das mesmas e, a seguir, das limitações a ela inerentes – e que são responsáveis pela crise que a aplicação e aceitação da visão de mundo destas ciências trouxeram ao homem moderno.
Seyyed Hossein Nasr, in O HOMEM E A NATUREZA



a história

A história de Ilha das Flores se dá, à princípio, numa plantação de tomates e tem como protagonista – pasmem vocês – um tomate. É em torno do tomate que o enredo da história gira, mostrando os sucessivos personagens que vão se relacionando com o mesmo e que dão uma desenvoltura toda própria a história. Ele é o elo de integração com os outros personagens do drama e, por isso, ora na sua versão madura, ora na sua versão estragada, vai compondo um refrão que, de repetição em repetição, dá uma cadência melódica muito especial à narrativa.
Eis os “grandes personagens” que participam deste enredo:

1) o Tomate plantado em Belém Novo, município de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, no extremo sul do Brasil, na latitude: 30:12:30 sul e longitude 51:11:23 oeste e que, diferentemente das baleias, galinhas e japoneses, é um vegetal, cultivado pelos humanos como alimento desde 1800, sendo que o planeta já cultiva 61 milhões de tomates por ano;

2) o Sr. Suziki, o plantador de tomates, japonês, que se distingue pelo formato dos olhos, pelos cabelos pretos e pelo nome característico, e que como todo ser humano é um mamífero, bípede, mas que se difere das baleias e das galinhas por ter o teleencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor, sendo por isso mesmo capaz de processar e armazenar inúmeras informações e também de manipular objetos pequenos com muita precisão, sendo que qualquer ação ou objeto produzido pelo ser humano é fruto da conjugação deste dois fatores, isto é, do teleencéfalo altamente desenvolvido e do polegar opositor;

3) o Dinheiro, iniciativa provável de Giles, Rei da Lídia, grande reino da Ásia menor que no século VII AC viu-se diante da dificuldade de manter o sistema de troca direta de produtos, já que se tornava cada vez mais inviável pesar o número adequado de tomates na troca por uma galinha ou o número adequado de galinhas na troca por uma baleia; situação, esta, que acabou gerando, mais tarde, os Supermercados, onde os produtos são trocados por dinheiro e vice-versa;

4) a Dona Anete, bípede, mamífero, católico-apostólico-romano, que tem também o teleencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor e é, por isso mesmo, um ser humano, que troca seu dinheiro por tomates no supermercado, sendo seu dinheiro obtido pela margem de lucro de uma outra troca que realiza com uma fábrica de perfumes, de quem compra seus produtos e passa, por sua vez, a trocá-los por dinheiro através das visitas que realiza de porta em porta, sendo também quem compra o tomate para fazer molho para sua carne de porco comprada também no supermercado;

5) o Porco, mamífero tal como a baleia, porém quadrúpede, e que serve como alimento para japoneses, católicos e outros seres humanos, exceto para judeus, e que não tem o teleencéfalo altamente desenvolvido e sequer um polegar, que dirá opositor;

6) o Lixo, onde o porco habita e mora e para onde um dos tomates sem condição de virar molho foi endereçado, sendo um lugar longe para onde todos os produtos de origem orgânica e inorgânica são destinados para livremente cheirarem mal, sujarem e atraírem doenças de todos os tipos que acabam prejudicando o bom funcionamento dos seres humanos, sendo que uma população como a de Porto Alegre (que é de 1 milhão de habitantes) produz 500 toneladas de lixo por dia, e sendo todo este empreendimento fruto também da conjugação do teleencéfalo altamente desenvolvido e do polegar opositor do ser humano, muito embora este lixo fique num terreno que tem um dono e que, apesar de possuir também o teleencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor, tem – também - dinheiro, que troca com mulheres e crianças que, apesar de possuírem também o teleencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor, não têm dinheiro e nem dono e que, por isso, em grupo de dez, têm cinco minutos para atravessar o cerco em torno do lixo e catar os alimentos – e os tomates – que foram considerados impróprios para a alimentação dos porcos mas que, agora, estão disponíveis para a alimentação delas.

A maneira com que acabo de apresentar os personagens procura reproduzir o mesmo tom enciclopédico e pedagógico com que a história é narrada em off pelo ator Paulo José, e que dão ao filme uma certa atmosfera de documentário, quebrada repetidas vezes por tiradas de ironia e graça que vão subterraneamente se transformando numa espécie de piada inusitada e macabra, embalada por diversas intervenções musicais inspiradas na obra de Carlos Gomes O Guarani.

Digo piada inusitada e macabra porque este lugar para onde o tomate do início da história é levado para livremente apodrecer e cheirar mal (visto que não serve de alimento para a Dona Anete e a sua família e nem para o porco e para a família do porco, se tornando no entanto o alimento de mulheres e crianças que não têm dinheiro e nem dono) se chama Ilha das Flores: uma lixeira a céu aberto que fica numa ilha, numa porção de terra à parte do continente, onde a ordem natural das coisas se processa de uma maneira completamente inversa e quase que avulsa.

Literalmente, é disto que o filme trata: da inversão de uma ordem natural, a ponto dos seres humanos ficarem abaixo dos porcos na prioridade da escolha de alimentos. E, é claro, na escala de vida. Afinal, já há pessoas que estão vivendo pior do que os porcos.

a maneira como a história é contada

No entanto, o que mais impressiona o espectador ao longo da projeção de todo o filme é a maneira como ele é narrado e contado: ao se apresentar o personagem 1 e, na seqüência, o personagem 2, retoma-se a menção do personagem inicialmente apresentado e assim se prossegue indefinidamente até o último personagem, sempre indo adiante e apresentando um novo personagem e depois retroagindo à série de personagens que já foram apresentados, revelando através deste jogo de construção & desconstrução uma cadeia de relações e mostrando exatamente qual o lugar de cada personagem dentro desta cadeia – ou, senão isto, pelo menos pontuando, através de um refrão que soa inicialmente cômico, quais são os personagens e quais são as relações que se estabelecem entre eles e que, no fim, formam um elo, uma grande engrenagem.

Se dizer que a maneira como o filme é narrado é como um quebra-cabeça onde há uma série de monta-e-desmonta, e se dizer isto soa arbitrário dado que não ocorre a todo o momento, prestemos atenção pelo menos ao fato de que, a cada vez que um personagem é apresentado, mostra-se a série de relações que ele mantém com outros que normalmente estão a sua volta, de modo que ao apresentar o personagem e a sua circunvizinhança natural, o seu contorno, sempre se revela a maneira como ele está atado ao personagem seguinte e aos outros que vão aparecendo, de modo que – o que sempre fica em evidência – é o elo que os une e como eles participam da engrenagem.

Elo, cadeia, engrenagem: estas talvez sejam palavras imprecisas, mas que uso para aludir ao fato de que, aos poucos, a própria montagem do filme vai – junto com o enredo – construindo um verdadeiro ecossistema das relações que se estabelecem entre os fatores apresentados, tal como tento ilustrar abaixo:
lixo ------------ TOMATE --------- SR. SUZIKI ------------- SUPERMERCADO
lixo ------------- PORCO ---------- DONA ANETE --------- FÁBRICA DE PERFUMES

fora da ordem ---- ordem natural --- ordem humana ------ ordem econômica

Afinal, se o tomate e o porco podem ser situados numa ordem que chamo de natural, e o Sr. Suzuki e a Dona Janete numa ordem que chamo de humana, e o supermercado e a fábrica de perfumes numa ordem que chamo de econômica, não deveria o lixo ficar justamente numa situação chamada fora de ordem, visto que ele é levado para bem longe da cidade, para fora do continente, onde justamente se situa a Ilha das Flores?

Acredito que sim. No entanto, mesmo que este esquema não ilustre a estrutura básica do ecossistema do qual estou tentando falar, é, via de regra, um verdadeiro ecossistema que se revela e se mostra através da construção e da montagem tão particular de que o cineasta se utilizou para narrar o filme – e só por isso ele se torna digno de atenção.

No mais, o que torna este filme deveras interessante é que a maneira como a história é contada coincide com o próprio assunto abordado, e isto de um modo tão magistral que, juntos, forma e conteúdo, se propõem a revelar e desvelar um mesmo tema: o equilíbrio (ou desequilíbrio) de um ecossistema. Afinal, do ponto de vista do argumento, o assunto do qual se trata não é o da formação de um ecossistema que se vê subitamente abalado por um fator que passa a entrar no jogo (o dinheiro) e que acaba por inverter a ordem natural das coisas? E o que falar da forma especial como este argumento é tratado e que, de parte em parte, vai mostrando todos os elementos integrantes de um todo, construindo assim – através da própria técnica de montagem – um verdadeiro ecossistema de imagens interligadas, tal como num caleidoscópio, dentro do qual todas as pecinhas interagem?

Esta é a tese que pretendo defender: neste filme, conteúdo & forma estão unidos de forma tão indissolúvel que aquele assunto do qual o argumento trata é o mesmo que se reflete nas imagens utilizadas, e vice-versa, de modo que o próprio tratamento dado às imagens traduz o assunto do qual se ocupa o argumento. Um não vive sem o outro, e o outro não vive sem o um, como os dois lados de uma coisa comum - o que faz com que a estrutura estética desta obra possa ser chamada de especular. Afinal, o que se reflete ali, se reflete lá, como num jogo de luz casado e contínuo.

E, só por isso, Ilha das Flores, se torna um filme tão interessante, digno de uma análise mais profunda, do qual este ensaio pretende ser apenas uma introdução.


Ilha das Flores: símbolo do desequilíbrio cósmico

Mas se as observações que faço soam arbitrárias, e se o tema do equilíbrio & desequilíbrio sistêmicos não estão presentes tanto no roteiro quanto na montagem, é de se considerar e perguntar sobre uma imagem fundamental que se torna recorrente ao longo do filme, formando quase que um refrão: o planeta Terra em movimento de rotação, girando em torno do seu próprio eixo. Ela aparece em trechos significativos:
· na própria abertura do filme (o que o coloca numa posição de destaque), tornando-se símbolo de algo que ainda não sabe muito bem o que é – mas que se espera que o filme venha a revelar;
· implícito na menção da latitude e longitude de Belém Novo, lugar onde se situa a plantação de tomates, cenário onde se inicia a história;
· no momento em que se demonstra literalmente que um dia equivale ao tempo que a Terra leva para girar em torno do seu próprio eixo, sendo pois o fator responsável pela formação das nossas horas e de como distribuímos os nossos afazeres ao longo desta jornada;
· segundos antes em que a imagem de uma lente de um microscópio contendo germes em movimento é rapidamente exibida, justamente no trecho em que se mostra como as doenças “acabam prejudicando o bom funcionamento dos seres humanos”, sendo que a forma circular da lente do microscópio é superposta à forma circular do nosso planeta Terra, traçando assim um paralelo entre o macrocosmo e o microcosmo e prefaciando aquilo que acredito ser o tema do filme: o equilíbrio cósmico. Ou o seu desequilíbrio.

Aliás, a forma circular é, por excelência, o símbolo retomado ao longo de todo o filme, sendo o movimento de rotação da Terra somente uma de suas variantes. Ele aparece, por exemplo:
· personificado no próprio tomate que tem uma forma arredondada e que, por mais simples e inócuo que seja, é comparado em certo momento a uma nuvem da bomba atômica, estabelecendo outro paralelo de equilíbrio natural e desequilíbrio anti-natural – além, é claro, de sua versão ora madura, ora estragada, que personifica ora uma situação de equilíbrio e, ora, uma situação de desequilíbrio;
· personificado pelo teleencéfalo humano, dentro do qual várias imagens se processam, como um caleidoscópio;
· no esquema traduzindo a proporção existente entre a produção de tomates do Sr. Suzuki e a produção brasileira que, por sua vez, é medida dentro da escala da produção mundial;
· na maneira como o dinheiro e os vários artefatos da produção humana vão se conjugando e empilhando, revelando uma grande espiral de imagens que acaba sendo coroada no centro por um slogan publicitário que anuncia: “Bruna, você usa soutien com lycra?”;
· traduzida na maneira quase que enciclopédica com que o filme é narrado ( kyklos = círculo + paidos = educação, cultura, formação da mente humana);
· personificado no relógio que realiza a contagem do tempo;
· na própria concepção de ilha, que é definida como uma porção de terra cercada de água por todos os lados.
No entanto, o que devemos considerar é que a forma circular, e mais propriamente o círculo, é o símbolo por excelência da perfeição, da coisa inteira, tendo sempre um centro e uma periferia, sendo o seu centro invisível e o seu contorno periférico a circunferência propriamente dita. Esta invisibilidade do centro sempre foi interpretada - pelas cosmovisões tradicionais – como o Princípio Maior de onde tudo se origina, e o traçado circunferente como a inesgotabilidade e variedade da manifestação do Princípio Maior, e que descreve propriamente o Mundo. Por isso, dentro da concepção simbólica das cosmovisões tradicionais, a circunferência é o símbolo do mundo em sua imensa variedade e multiplicidade, enquanto o seu centro (invisível) é o símbolo de uma ordem suprema de onde tudo se origina e para onde tudo converte.

Levando em conta essa concepção, parece que o filme trata à princípio do equilíbrio e do desequilíbrio cósmicos – mas não no sentido ecológico como geralmente interpretamos o bom ou o mal andamento do nosso sistema terrestre. E isto porque a imagem do planeta girando pontua no filme uma ordem em torno da qual tudo deveria girar mas que, estando ausente, permite justamente que a ordem natural das coisas se inverta, o caos se estabeleça e apareçam lugares tal como a Ilha das Flores.

E que ordem faltante é esta? Se não há como se recordar, saibam que esta informação já está dada no próprio início da película; aliás, antes mesmo que a primeira imagem se apresente e que é, como disse, a de um globo girando. No início do filme, são exibidas três frases sobre um fundo preto, cada uma por sua vez, e que acabam dando à história uma outra conotação do que esta até então apresentada:
Primeira Frase: “Este não é um filme de ficção”.
Segunda Frase: “Existe um lugar chamado Ilha das Flores”.
Terceira Frase: “Deus não existe”.

A ordem faltante é aquela que podemos depreender desta terceira frase, e pela tragédia do que ela significa mas que talvez sequer atentamos a medida que o filme vai prosseguindo: a ordem faltante é Deus. É de cunho espiritual. E é pela sua ausência que assistimos a tragédia como a que acontece em Ilha das Flores.

Mas, antes mesmo que esta exposição se mostre subitamente absurda e se torne apologética e enfadonha, devemos nos lembrar que, na cosmovisão antiga ou medieval, há uma noção da realidade dividida em 3 planos superpostos, a saber:

Idade Média ---- CORPO ------------------- ALMA ----------------- ESPÍRITO
Cristianismo ---- NATURA ----------------- HOMO ------------------ CÉU
Grécia ------------- PHYSIS ------------------ ETHOS ---------------- LOGOS

--------------------- ordem terrestre -------- ordem humana ------- ordem celeste
Dentro desta cosmovisão, concebia-se que a ordem suprema era a ordem celeste (aquela que estava para além da esfera astronômica), e que toda ordem natural e humana deveria se espelhar e copiar a ordem espiritual, de modo que uma sociedade considerada ordenada e equilibrada seria aquela que procurasse ser à imagem da esfera celeste ou espiritual. Temos um exemplo disso na fundação das cidades segundo o rito que os romanos haviam recebido dos etruscos, e também na repartição dada aos próprios acampamentos pelos hebreus que, mais tarde, se estendeu ao território de todo o país (1) [i].
Não parece, pois, que é este tipo de paralelo que o filme tenta estabelecer: um paralelo entre a ordem social e a ordem cósmica, tal como entendida pelas cosmovisões tradicionais? Se assim for (e acredito que seja), se torna necessário acrescentar ao esquema anteriormente elaborado este grandessíssimo fator ausente da sociedade moderna, de modo que passamos a ter a seguinte configuração sistêmica:
fora da ordem: lixo

ordem natural:
tomate, porco
ordem humana: Sr, Suzuki, Dona Anete
ordem econômica:
Supermercado, Fábrica de Perfumes

ordem espiritual: Deus

Ademais, somente esta configuração pode ser exata, visto que a supressão de um dos pólos (Deus) significa necessariamente a inflação do pólo oposto (o Lixo). Poderíamos , assim, conceber o Lixo como uma ordem que – pela supressão da ordem espiritual – acaba tomando a dianteira, substituindo-a definitivamente. Já disseram que vivemos num mundo sem Deus. Talvez isto seja o mesmo que dizer que vivemos na era do Lixo (2) [ii], onde tudo se torna descartável, inclusive o homem.
Não seria, pois, a Ilha das Flores um filme que mostra como os fatores de diversas ordens vão se interagindo dentro de uma seqüência específica e que, na ausência de um Fator Determinante, acaba criando uma nova ordem, uma ordem avulsa e à parte de todo o ecossistema, que expressa a inversão de tudo e que age tal como uma doença?

Creio que sim. E se a mensagem é esta, que ela sirva de alerta para o modo como há séculos estamos dispondo das nossas horas e distribuindo os nossos afazeres ao longo desta jornada que, no final das contas, se chama vida. Afinal, mesmo que durante os créditos finais apareçam frases que lembrem que este filme, na verdade, foi feito por Jorge Furtado, e que a última frase do texto, na verdade, é do “Romanceiro da Inconfidência” da Cecília Meireles, e que os temas musicais, na verdade, foram extraídos do “Guarani” de Carlos Gomes, e que os personagens, na verdade, são tais e tais atores, e que, na verdade, a maior parte das locações foi rodada na Ilha dos Marinheiros, a dois quilômetros da Ilha das Flores - todo o restante da obra ficcionada se configura como sendo extremamente verdadeira, tal como o filme anuncia: “o resto é verdade”.
É com esta frase que se fecha a exibição do filme. Aliás, é também assim que ele começa: lembram-se da frase inicial? De que “este não é um filme de ficção”.

E não é mesmo.
bibliografia
[i] (1) vide SÍMBOLOS DA CIÊNCIA SAGRADA, de René Guénon, Ed. Pensamento, 1993, página 88
[ii] (2) vide A CRISE DO MUNDO MODERNO, de René Guénon, Ed Veja, Lisboa, 1977, em especial o capítulo A Idade Sombria