quinta-feira, 4 de junho de 2009

O ESTRANHO CASO DE BENJAMIN BUTTON

continuação: parte 2



















Nesta tentativa de aprendizado e de compreender a Imensidão, não pude me furtar de olhar o mapa astrológico do autor da história. Sou astrólogo e, como astrólogo, sei o quanto os astros lançam luzes que nos permitem uma boa compreensão. Mas fiz isso sem muita esperança: afinal, não conheço a vida e a obra de F. Scott Fitzgerald, nem mesmo em profundidade, da qual esse conto é uma pequena mostra, e que foi adaptado para o cinema por Eric Roth e Robin Swicord e dirigida por David Fincher, cujos mapas astrológicos não encontrei mas que, sem sombra de dúvida, poderiam lançar luzes no que vimos nas telas de cinema. Afinal, não podemos nos esquecer disto: sobre a obra original do autor - que tem uma visão de mundo muito específica -, incidiu a visão e a mentalidade de outros artistas que acabaram lhe dando um outro desenho, uma outra configuração. Não havia como esperar que, diante de todos esses obstáculos, esta configuração cinematográfica viesse a aparecer refletida nas configurações celestes presentes no mapa do Fitzgerald.

Ainda sim, sem muita esperança, fui lá dar uma olhadinha, na expectativa de confirmar se no mapa do Fitzgerald[1] a sua Casa XII se encontrava preenchida por algum planeta visto que esta é a condição necessária para que um indivíduo considere - ao longo de toda a sua existência - o infinito ou o fim. Mas como era de se esperar, esta configuração celeste não aparecia em seu mapa astral.

Seja como for, é importante notar que o indivíduo – que tem algum dos sete planetas pessoais localizados na Casa XII do seu mapa astrológico - enfoca a vida pela perspectiva da finalidade e vê sentido no mundo em função de certas forças maiores que parecem determinar o fim e o rumo de tudo, passando então avaliar tudo em escala macroscópica e nutrindo um interesse profundo em relação ao modo como as coisas caminham aparentemente sem sentido ou direção. Este, afinal, é o indivíduo para quem o além, o invisível, o providencial, o infinito e o grandioso - seja na forma de céu, de deserto ou de mar – estão carregados de informações importantes a respeito do mundo, e para quem os episódios que configuram situações por demais abertas ao desconhecido ou por demais fechadas, limitando a sua liberdade, marcarão de modo indelével toda a sua existência.

Um dos grandes exemplos que se pode tomar do sujeito com este tipo de mentalidade é Galileu Galilei, o astrônomo, cujo mapa astral[2] mostra júpiter e saturno dentro da Casa XII. Em O Ensaiador, ele diz uma das frases mais célebres da sua carreira:

“Sr Sarsi, a coisa não é bem assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante os nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. (...) Eu não gostaria, Ilustríssimo Senhor, de avançar demais em um oceano infinito, onde não poderia depois voltar ao porto; nem gostaria, enquanto procuro remover uma dúvida, de dar motivo a levantar cem delas, como receio que tenha acontecido, ao menos em parte, com aquele pouco afastamento meu da beira da água: quero, para isto, reservar outra ocasião mais oportuna”.

Mas há outros exemplos de indivíduos cuja mentalidade considerava a vida por esta perspectiva finalística e macroscópica, e cujas palavras revelam e traduzem bastante este modo muito específico de ver o mundo.

Assim disse o poeta T. S. Eliot, com sol na Casa XII[3]:

“Não deixaremos de explorar e, ao término da nossa exploração deveremos chegar ao ponto de partida e conhecer esse lugar pela primeira vez”.

E assim disse o nosso médium Chico Xavier, com lua na Casa XII[4]:

“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.

Não se pode deixar de mencionar o viajante e escritor Paul Bowles, conhecido internacionalmente pelo seu livro O Céu que Nos Protege, e que teve uma feliz adaptação para o cinema feita por Bernardo Bertolucci. Tanto no romance quanto no filme frisa-se o perfil do verdadeiro viajante: é aquele que se abre ao desconhecido, sem rumo e direção. Paul Bowles, com saturno na Casa XII[5], diz:

“Se os povos e as suas maneiras de viver fossem semelhantes em qualquer outro lugar no mundo, não haveria muitos pontos de partida de um lugar para outro."

Essa mesma noção de caminhar sem rumo e à esmo é aquela que aparece na boca do escritor Anatole France que tinha mercúrio e marte na Casa XII[6]:

"Vaguear restabelece a harmonia original que uma vez existiu entre o homem e o universo”.

Noção que, mesmo sendo expressa de maneira vaga, inevitavelmente nos remete a outra noção: a de destino, uma das maiores metáforas do imponderável. É o que se percebe na letra da música Até o Fim do nosso compositor Chico Buarque, que tinha júpiter e marte na Casa XII[7]:

“Quando eu nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
Inda garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim.”

É o que se percebe também nas palavras da escritora Virginia Woolf, que tinha lua, júpiter e saturno na Casa XII[8]:

“Terá o dedo da morte de pousar de vez em quando no tumulto da vida para evitar que ele nos despedace? Tal será a nossa condição que devamos receber, diariamente, a morte, em pequenas doses, para podermos prosseguir na empresa da vida? E então, que estranhos poderes serão esses que penetram nossos mais secretos caminhos e mudam nossos mais preciosos bens, a despeito de nossa vontade? (...) A natureza, que faz tantas trapaças conosco, plasmando-nos tão desigualmente de argila e de diamantes, de arco-íris e de granito, encerrando tudo em estojos tão incongruentes, pois às vezes o poeta tem cara de açougueiro e o açougueiro cara de poeta; a natureza que se compraz com a confusão e o mistério, de modo que, mesmo hoje (1 de novembro de 1927), não sabemos por que subimos ao primeiro andar nem porque descemos, e os nossos mais cotidianos movimentos são como a passagem de um navio por um mar desconhecido, e os marinheiros do mastro principal perguntam, assestando seus óculos para o horizonte: "Aquilo é terra, ou não?", ao que, se somos profetas, respondemos, "É"; se somos verídicos, dizemos: "Não".”

Diante do exposto, o que posso dizer? Que a obra que ora assistimos no cinema – personificada pelo beija-flor que simboliza o infinito – inevitavelmente nos remete a pensar em tudo isso, mesmo que subliminarmente. E por isso mesmo ela nos serve pelo menos como uma boa ilustração sobre o Grandioso e o Imponderável, temas com que algumas pessoas ocupam a sua mente, seja eventualmente, seja freqüentemente.

Pode ser que Fitzgerald tenha se ocupado eventualmente deste tema, e que esta não seja a grande característica da sua obra. Pode ser até que esta tenha sido a abordagem feita pelos roteiristas e diretor sobre o conto original do escritor. Seja como for, a mensagem foi dada: a vida tem seu próprio caminhar, tem sua própria escritura, e ela se fecha e se desenvolve paradoxalmente, como num círculo.

Por isso, pode ser que a vida tenha mesmo um ciclo.

Pena que algumas pessoas só percebam isso no fim.

Ou quando assistem filmes como esse, sobre Benjamin Button.



Sites consultados:

http://wwws.pt.warnerbros.com/benjaminbutton

http://www.astrocye.com/webcharts/search.htm

http://www.astrodatabank.com

http://www.constelar.com.br/mapasdobrasil/index.php


[1] FRANCIS SCOTT KEY FITZGERALD: 24/09/1896, 15:30 hs, S Paul, Minnesota, EUA
[2] GALILEU GALILEI: 26/02/1564, 15:40 hs, Pisa, Itália.
[3] THOMAS STEARNS ELIOT: 26/09/1888, 7:45 hs, St Louis, MO, EUA
[4] FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER: 2/04/1910, 1:00 hs, Pedro Leopoldo, MG
[5] PAUL FREDERIC BOWLES: 30/12/1910, 15 hs, Nova York, EUA
[6] JACQUES ANATOLE FRANÇOIS THIBAULT: 16/04/1844, 7 hs, Paris, França.
[7] FRANCISCO BUARQUE DE HOLLANDA: 19/06/1944, 11:35 hs, Rio de Janeiro, RJ.
[8] VIRGINIA WOOLF: 25/01/1822, 12:05 hs, Londres, Inglaterra.