quinta-feira, 4 de junho de 2009

O ESTRANHO CASO DE BENJAMIN BUTTON

para Ana González


Vi o filme. Enfim, vi o filme. Fiquei oco e mudo por dois dias. Depois voltei ao normal, com forças para respirar e escrever. No entanto, sei que deveria permanecer oco e mudo, ainda sob o impacto da história, fazendo jus à sua beleza. Mas parece que tudo sofre mesmo da ação paradoxal do tempo – e por isso estou aqui, escrevendo.

Escrevendo na expectativa de fazer alguns comentários sobre a história, isto é, de quase chegar a fazer uma história sobre a história, visto que a vida não é nada sem uma boa história. Antes de tudo, devemos agradecer a F. Scott Fitzgerald pela sua narrativa, e por demonstrar que a vida tem a sua própria escritura, tem desenvolvimento próprio – como um livro que se auto-escreve, e cujos capítulos vão se enredando de um modo tão lógico e tão inimaginável que só resta ao último capítulo se juntar ao primeiro, fechando o círculo. A vida é círculo. Não deve ser por acaso que os relógios sejam redondos. E que o bater das asas de um beija-flor formem o símbolo do infinito: dois círculos sobrepostos, de uma continuidade elegante e levemente elíptica.

Será a infinitude o quadrado ou o dobro da vida? Será esta a equação matemática que, apesar de oculta, constitui a trama da existência? Não sei, não sei. Só o que sei é que, depois de ter visto O Estranho Caso de Benjamin Button, cri, mesmo que por um breve instante, que o fim e o começo não existem – vide o anacronismo expresso da história. E que estes só são uma intercessão do tempo. E que raramente saímos do seu círculo, exceto quando percebemos que há uma continuidade infinita que nos abarca e nos engloba, que nos redime, nos orienta e nos enche de glória - o que só ocorre para quem se resigna, aquiesce e aceita essa Imensidão.

Benjamin Button aceita. Mamãe aceita.

Outros personagens, cada um a seu modo, aceitam ou aprendem a aceitar.

Eu, como sou osso duro de roer, estou aqui tentando aprender alguma coisa.

4 comentários:

Anônimo disse...

Sem dúvida, não é o caso da velhice em si que me chama a atenção mas, sim,o romance entre duas estradas que correm opostamente. O que mais me atrai é a presença constante e viva da parcela contingente, do eterno enigma, daquilo que não controlamos. O filme todo cutuca neste sentido: quando ele nasce pode ser um monstro ou pode ser o milagre em "formato não esperado". O que podemos fazer diante do que não foi apresentado oficialmente pelas ciências? Então ele cresce e milhares de vidas cruzam seus caminhos em meio a tempestades ou a navegações ( vento, o tempo, o mar, tão contingentes), o que reforça mais esta relação precisa do que nos transcende como..seres humanos. Há passagens belíssimas como o velhinho atingido 7 vezes por um raio mas que tira disso tudo a sorte de estar vivo ( isso me lembrou tanto o Eclesiastes...o ser pó e mesmo assim encontrar alguma dignidade nisso).

Há também uma relação muito curiosa com os números, especialmente o 5: com 5 anos ela encontra ele na infância e depois na velhice quando ele tem 5; o furacão atingirá o grau 5; a história que os dois gostam (da raposa) bate o tempo todo na tecla das 5 horas, quando Deus dá as belas e ágeis pernas para a raposa; 5 é por onde está passando o ponteiro do relógio com rotação invertida,quando a água inunda o espaço. É como se o 5 fosse a chave, o momento do Mistério, a hora onde Ele se apresenta e nos presenteia com mais charadas, que para cada um será de um jeito: no balé, na maternidade, na fábrica de botões...mas será...e temos, mesmo dentro deste imprevisível mundo de encontros e acontecimentos, temos a liberdade de caminhar da melhor forma ou da pior...de fazermos muito bem o papel que dá sentido a nossa vida ou deixá-lo para as trevas de um palco qualquer.

E...espero que o misterioso mar por onde navegamos, assim como nossos barcos, se encontrem em porto seguro para mais trocas e contar histórias...será uma alegria!

abraços fraternos,

Mariana Ramos, atriz

Anônimo disse...

Eu vi este filme e acredite foi ainda estou ás voltas com ele. marcante mesmo, para mim uma história de um tempo que acaba por não ser um tempo, um amor incondicional.
Não sei fazer criticas de cinema mas marcou-me tanto que tambem fiz um post sobre este filme.
parabens pelo blog bem estruturado e com imensa informação.
Um abraço de alma
salamandra

Anônimo disse...

Edil amigo
Como é enriquecedor o diálogo com você. Privilégio meu poder ter com quem trocar figuras a respeito da astrologia, da filosofia, e de outras tantas questões de cultura e de conhecimento humano.
Aprender tanto e me alimentar também. Com esterco fertilizador. Com afeto. Com sonho. Com a dimensão da eternidade que marca seu texto a respeito do filme. Bom perceber outros lados desse filme tão bonito.
Obrigada pela dedicatória!
Bjs
Ana González

Cristina de Amorim Machado disse...

Fala, Edil!
Gozado que vi este filme ainda em Lisboa e lá também tive que escrever alguma coisa, pois realmente o filme é o ó do bobó. Olha o que eu escrevi na ocasião: "Filmaço! Dá para rir, chorar e pensar na existência. Dá para simplesmente contemplar a beleza de uma fantástica história de amor contada em imagens. Uma história de amor que, como qualquer história de amor, está sujeita à realidade da sua pluralidade de facetas e impermanência - da nossa impermanência -, quer o relógio ande de frente para trás ou de trás para frente. A gentileza e a sutileza dos detalhes desse encontro em cada fase são comoventes, como o momento em que eles se conhecem (mais ou menos a mesma idade, mas ele com aparência de velho e ela de criança), o momento em que eles de fato se encontram, no auge da vida de ambos, e depois, seguindo o fluxo desse encontro tão particular (como qualquer outro), quando, já na velhice, ela o ajuda a dar conta da sua senilidade na forma de criança."
Beijos,
Cristina