domingo, 14 de junho de 2009

ILHA DAS FLORES: fruto de uma inteligência sistêmica

Jorge Furtado

É notável como o curta-metragem Ilha das Flores aborda o desequilíbrio social e espiritual que estamos vivendo. Mais notável ainda porque suas imagens estão dispostas de um modo que remetem imediatamente à idéia de encadeamento, de engrenagem, demonstrando inclusive como todos os fatores estão ligados entre si, formando um circuito absolutamente fechado – um todo cuja integridade depende exatamente do jogo harmônico e equilibrado das suas partes.

Essa noção do todo esquematizado e do funcionamento equilibrado é a noção mais evidente do filme – e é a noção suprema do sujeito cuja inteligência é de natureza sistêmica e orgânica. Aliás, Ilha das Flores é um dos frutos mais expressivos de uma inteligência como esta.

Se assim for, e de acordo com a hipótese das 12 Perspectivas Fundamentais apresentada no capítulo anterior, o mapa astrológico do seu diretor[1] deveria estar com a Casa VI ocupada por um dos sete planetas tradicionais - o que de fato acontece. Ao calcularmos o seu mapa, vemos que o planeta Saturno se encontra posicionado dentro da Casa VI, demonstrando assim a relação existente entre uma configuração astrológica, um tipo de inteligência e uma obra cinematográfica que é a sua mais pura expressão. Vemos, assim, a relação existente entre astros e psique, intermediada e comprovada através de uma obra artística.

E que Saturno seja o planeta a aparecer dentro da Casa VI não é nem um pouco surpreendente e assustador: afinal, para o filósofo árabe Mohieddin Ibn’ Árabi, este planeta está associado a razão humana, àquela necessidade de encontrar um sentido, uma resposta, um entendimento para determinada ordem de experiência. Se levarmos em consideração a tese deste filósofo, teríamos que admitir, mesmo à título de hipótese, que o indivíduo que nascesse com o planeta Saturno localizado dentro da Casa VI procuraria uma razão para o Todo e para o seu funcionamento equilibrado.

Mas não é justamente isso que Ilha das Flores revela e testemunha? Essa característica se revela, entretanto, em outras obras suas. Por ocasião do lançamento do seu novo filme O Homem Que Copiava, a revista Época divulgou em junho de 2003 a seguinte manchete:

JUNTANDO OS PEDAÇOS
O excelente "O Homem Que Copiava" aposta nas simulações para organizar o quebra-cabeça da vida

ESTILHAÇOS
Lázaro Ramos faz o jovem que, tirando fotocópias, vê o mundo em fragmentos

O próprio diretor Jorge Furtado, em entrevista à Agência Carta Maior, em dezembro de 2003, dá o seguinte depoimento:

“Então, o objetivo era fazer algo sobre fragmentação, com um personagem muito fragmentado. (...) Olha, o Ilha das Flores já é, de alguma maneira, uma tentativa de fazer-se um hipertexto, né? Ele é um hipertexto, antes da Internet, pelo menos da Internet para mim. Era a idéia de que um texto leva a outro texto, uma palavra leva a outra palavra e, no final, as coisas acabavam concretizando-se em uma grande rede. Esta era a idéia do Ilha. E O Homem que Copiava é um pouco isso também (...). Eu, agora, me sinto atraído pelo contrário dessa lógica, em todos os sentidos. É a "unidade", em oposição à fragmentação”.

A uma série de outros depoimentos que se seguem, o entrevistador desta revista, Cláudio Szynkier, comenta:

· “Isso mostra como o filme constrói-se e molda-se organicamente. Os significados que ele vai adquirindo nascem dentro dele mesmo, às vezes sem ter nada a ver com o que foi planejado".

· “A descrição inicial que André faz das coisas que cercam o seu mundo sublinha o componente autoral presente no filme. É uma obsessão pela anatomia da realidade, pela dinâmica e influência dos objetos no viver diário do personagem. O dinheiro, quanto ganha, quanto vai sobrar, quanto falta, o que foi possível comprar, quanto tempo necessitaria para comprar aquilo que não foi possível; a copiadora, o que a máquina faz, o chefe, a gostosa; o quarto da menina. Se Ilha das Flores (curta de Furtado, rodado ainda na década de 80) aplicava uma tentativa de "biologia", que compreendia relações humanas e até coisas inanimadas, em O Homem que Copiava o que percebemos é uma intimista análise dos vetores da vida cotidiana de alguém. Mas, nos dois casos, há o apreço pelo ato de esmiuçar, compor a lógica dos ‘mundos’ ".

Não são estes, pois, comentários e depoimentos que testemunham justamente o foco e a direção de uma inteligência que insiste em ver e analisar o mundo de maneira sistêmica e orgânica? Não seria pois Ilha das Flores imagem exemplar criada por uma inteligência que poderíamos chamar de sistêmica? Aliás, o mesmo tipo de inteligência aparece presente e marca a obra de Henry Miller[2], escritor americano, para quem o homem era um todo composto de três partes: Sexus, Plexus e Nexus, os três famosos volumes que compõem a sua obra intitulada A Crucificação Encarnada, uma alusão ao próprio homem cuja imagem é a de uma carne em forma de cruz. Já no episódio Ejaculação da série Tudo o que Você Sempre Quis Saber sobre o Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar, concebido por Woody Allen[3] em 1972, vê-se que uma das partes do corpo humano não está funcionando: o pênis não consegue ter ereção e, ao se apurar a responsabilidade pelo problema, descobre-se que a ameaça se deu em outra parte do organismo: na consciência, revelando, de um modo bem criativo e humorado, como as partes de um mesmo todo estão interligadas.

O que há em comum entre estes três artistas, além do fio narrativo de suas obras ser entretecido por uma perspectiva sistêmica e orgânica? Todos nasceram sob um mesmo fator astrológico, tendo um dos sete planetas tradicionais localizados na Casa VI do seu mapa[4] - motivo suficiente para determinar esse tipo de visão e de abordagem. Aliás, um sujeito com tal configuração astrológica será aquele para quem os episódios que envolvem o dia-a-dia, os hábitos, a ordem e a desordem marcarão de modo indelével toda a sua existência e para quem os relógios, os quebra-cabeças, os mecanismos internos, as engrenagens e o ritmo se transformarão em imagens fundamentais na composição da sua obra estética: imagens-chaves que abrem a compreensão desta mesma obra.




mapa astrológico de Jorge Furtado


[1] JORGE FURTADO: 09/06/1959, 9:30 hs, Porto Alegre. Dito a mim mesmo por ocasião da Terceira Conferência Internacional do Documentário: Imagens da Subjetividade, São Paulo, 11/04/2003.
[2] HENRY MILLER: 26/12/1891, 12:30 hs, Manhattan,NY, USA.
[3] WOODY ALLEN: 01/12/1935, 22:55 hs, Bronx, NY, USA
[4] Henry Miller tinha Saturno na Casa VI, tal como Jorge Furtado, e Woody Allen tinha a Lua nesta Casa.

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